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Alerta de fraude: golpistas usam nomes de advogados, bancas e até alugam salas comerciais

Estelionatários têm se aproveitado da relação de confiança entre clientes e advogados para praticar golpes. Por meio de ferramentas como o WhatsApp, os criminosos se passam por representantes de escritórios de advocacia e solicitam pagamentos para liberação de precatórios, acordos para equacionar dívidas e taxas judiciais.

O vice-presidente da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, Leonardo Sica, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico que tem acompanhado a situação de perto e que a entidade vem municiando a Polícia Civil com informações para o desmantelamento destas quadrilhas.

“Existem grupos organizados que têm se passado por advogados e representantes de escritórios. Eles usam informações públicas de processos, oferecem serviços ou cobram taxas para liberação de precatórios”, explica.

Existem dois inquéritos na Polícia Civil de São Paulo que investigam a atuação dos estelionatários. “O golpe na maior parte das vezes ocorre por WhatsApp, mas notamos aqui no estado que existem quadrilhas especializadas atuando de forma presencial. Os criminosos chegam a alugar salas comerciais para se passar por advogados e escritórios”, afirma.

Além de acompanhar de perto as investigações, a OAB-SP também tem buscado alertar seus associados para que orientem seus clientes. A seccional paulista da OAB é a que reúne o maior número de advogados do país, com 357 mil inscritos, mas a onda de golpes envolvendo profissionais e escritórios está longe de ser restrita a uma região.

Seccionais da OAB do Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, Bahia e Santa Catarina, por exemplo, já divulgaram informes alertando seus inscritos e a sociedade sobre o problema.

Desde outubro de 2022, a OAB do Paraná tem promovido uma campanha informativa alertando sobre os cuidados para evitar esse tipo de golpe. Até maio deste ano, a entidade já havia recebido 237 denúncias.

Vítimas de golpes
O advogado Rodrigo Kanayama, do escritório Kanayama Advocacia, foi um dos profissionais que sofreu com esse tipo de problema. “Trabalhamos muito com Direito Público e, portanto, nossos processos envolvem muitos precatórios. Alguns clientes nossos têm sido abordados por golpistas que pedem o pagamento de taxas para liberação dos pagamentos’, afirma.

A metodologia dos golpes é bastante parecida. Segundo Kanayama, a maioria das abordagens é mesmo por WhatsApp. “Felizmente poucos clientes acabaram caindo no golpe. Que eu saiba, foram apenas dois, e um deles conseguiu reaver o dinheiro depois de entrar em contato com o banco. Outro infelizmente não conseguiu, mas por sorte não era um valor alto”, diz.

Nasser Ahmad Allan, da Gasam Advocacia, também teve que lidar com tentativas de golpes envolvendo o nome do escritório. “Vira e mexe usam a imagem ou o nome de alguém aqui do escritório para tentar aplicar golpes. É o caso típico do bilhete premiado. O criminoso tenta vender uma vantagem mediante pagamento. Eles usam informações públicas dos processos e misturam com outras fantasiosas de modo que o discurso é verossímil”, explica.

Ele aponta que os golpistas estipulam prazos curtos para aproveitar descontos em acordos trabalhistas ou para o pagamento de taxas para liberação de precatórios, por exemplo. “Costumo dizer que se não tivéssemos meios de pagamentos tão ágeis no país o golpe não funcionaria. Só depois de fazer uma transferência ou Pix é que às vezes a pessoa se preocupa em ligar no telefone fixo do escritório”.

Em fevereiro deste ano, o juiz Eduardo Schmidt Ortiz, do Juizado Especial Cível de Palmas (PR), determinou que empresas de telefonia e de redes sociais colaborem para que o golpe do falso advogado seja contido no Paraná.

O julgador determinou a suspensão do funcionamento de números de telefone utilizados para aplicação do golpe, fornecimento de dados cadastrais, do IP utilizado pelos criminosos e suspensão dos serviços de mensagem dos golpistas.

A decisão foi provocada por pedido do Eduardo Tobera Filho, cujo escritório foi alvo da ação dos estelionatários.

Sósia de escritório
Em alguns casos, o nome dos escritórios de advocacia é envolvido em golpes contra pessoas que nem são seus clientes. A advogada Mérces da Silva Nunes, sócia do escritório Silva Nunes Advogados, chegou a ter a banca que fundou processada por conta da ação de golpistas.

O escritório de Mérces se chama Silva Nunes Advogados, mas acabou sendo processado por conta de um escritório fantasma chamado Escritório de Advocacia Silva e Nunes. “Eles mandam uma mensagem de WhatsApp se apresentando como advogados desse escritório quase homônimo ao meu e dizem ter um convênio com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) para renegociar dívidas com os mutuários”, explica.

O número do telefone usado pelos golpistas é da região noroeste de São Paulo e eles apresentam dados legítimos dos contratos que não são públicos. Mérces teve que fazer boletim de ocorrência e se defender na Justiça em um processo movido por uma das pessoas lesadas.

Ao analisar o caso, a juíza Raisa Alcântara Cruvinel Schneider, da Comarca de Ipaussu (SP), julgou a ação improcedente. Apesar da vitória na Justiça, a rotina de Mérces segue atribulada por conta da atuação dos golpistas. Ela invariavelmente tem que orientar pessoas abordadas pelo falso escritório.

“Muitas vezes as pessoas acham o nome do escritório no Google, ligam aqui e conseguimos evitar que ela caia no golpe, mas infelizmente algumas vítimas já chegaram a perder suas economias para tentar quitar o débito com a CDHU”, lamenta.

A ação dos golpistas do escritório fantasma tem contornos tão amplos que o setor de Habitação da Prefeitura de Registro (SP) chegou a divulgar, em 2021, um alerta sobre a ação dos fraudadores que ofereciam descontos de até 60% para pagamento de dívidas dos mutuários.

Golpismo 2.0
O uso do nome de advogados e de escritórios de advocacia para aplicar golpes não é exatamente algo novo, mas o avanço da tecnologia e a digitalização dos processos deu novas ferramentas para os golpistas.

“Tecnologia é muito bom, mas o ideal é que o primeiro contato que uma pessoa faça com o advogado ou com um escritório seja presencial. Com isso, o cliente poderá ter sempre os canais oficiais de comunicação dos escritórios já registrados e só fazer contato por meio deles”, explica Sica.

Outra orientação é verificar se o profissional que entra em contato em seu próprio nome ou em nome de um escritório possui registro na OAB.

Nycolle Soares, sócia e CEO do Lara Martins Advogadas e presidente do Instituto Goiano de Direito Digital (IGDD), explica que como os processos via de regra são públicos é possível para qualquer cidadão ter acesso aos nomes das partes e muitas vezes até e-mails.

Em alguns casos, os golpistas chegam a transformar a assinatura digital de advogados em imagem para dar contornos mais realistas às abordagens. Em outros, utilizam e-mails parecidos com o dos escritórios.

“Apesar dos novos recursos, nenhum desses golpes é novo. Antes enviavam cartas em nome de escritórios, por exemplo. A grande questão quando falamos da digitalização de processos é a amplitude que esse tipo de golpe ganha. É muito rápido. Se antes uma quadrilha demorava meses para dar 100 golpes, hoje ela consegue em questão de horas. Temos uma base de dados gigantesca e muita facilidade de comunicação. Enviar uma mensagem de WhatsApp é muito simples”, explica.

Vacina para golpe
Todos os advogados e escritórios consultados pela ConJur têm feito uso da comunicação com o cliente para tentar evitar os golpes. São e-mails, malas diretas e alertas sobre o problema nos sites e nas redes sociais das bancas.

Esses cuidados têm sido tomados até mesmo por escritórios que ainda não sofreram com o problema. O Nelson Wilians e Advogados Associados, por exemplo, tem feito um esforço concentrado de comunicação para orientar seus clientes.

Fernando Parro, sócio do Contencioso Cível, explica que frequentemente os sites e redes sociais da banca tem divulgado orientações para evitar os golpes, além de artigos sobre as novas práticas fraudulentas.

“Sempre orientamos nossos clientes a verificarem e confirmarem os dados de contas informadas para depósitos/transferência ou aqueles constantes em boletos, para ter certeza de que a razão social e o CNPJ é mesmo da empresa credora ou da empresa contratada pela credora”, explica.

Parro lembra que a maioria das empresas do segmento financeiro já possuem ferramentas online de validação de boletos para que os devedores que forem abordados com uma proposta irrecusável de negociação de dívidas, por exemplo, consigam confirmar a autenticidade do boleto recebido.

“Além disso, é importante manter contato com o gerente do banco ou empresa de crédito com quem habitualmente estão em contato para negociação para validarem as condições da oferta proposta por escritórios e empresas de cobrança, principalmente quando estão diante de vantagens excessivas”, alerta.

Disponível em: ConJur
Acesso em: 25 de Maio de 2023.

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TJSP: Homem deve indenizar ex-mulher por violência moral, psicológica e patrimonial

A violência de gênero não está restrita à lesão física, sendo que, nas demais modalidades, pode ser igualmente danosa. Com base nesse entendimento, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um homem a indenizar a ex-mulher em R$ 20 mil por danos morais, psicológicos e patrimoniais durante o relacionamento, que durou cerca de sete anos.

O juízo de primeira instância julgou parcialmente procedente a ação de reconhecimento e dissolução da união estável, com partilha igualitária dos bens móveis do ex-casal. No recurso ao TJ-SP, a mulher insistiu na indenização por danos morais e psicológicos, pois alegou ter vivido um relacionamento abusivo com o réu.

Gravações de áudio e mensagens de texto anexados aos autos indicam que o homem proferia insultos, controlava o uso dos recursos do casal e ameaça se desfazer de objetos da mulher caso ela não lhe entregasse todo o salário. A vítima informou, ainda, que precisou se submeter a tratamento psicológico após o término da união.

Neste cenário, a relatora, desembargadora Ana Zomer, entendeu que os danos ficaram configurados. Ela destacou que o artigo 5º da Lei Maria da Penha estabelece que, “para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

“O artigo 6º do mesmo diploma legal confere ainda maior importância ao tema e lhe garante status de proteção constitucional, ao considerar que ‘a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos’. Neste particular, a questão diz respeito a diversas ações intentadas pelo requerido na constância da união estável que teriam causado sofrimento psicológico, moral e patrimonial à recorrente”, afirmou.

Zomer também citou o artigo 7º da Lei Maria da Penha, que elenca as várias formas de violência doméstica, como violência psicológica, patrimonial e moral. “Sobre o tema da violência de gênero, preleciona Silvia Chakian que esta não está restrita ao âmbito da lesão física, sendo que, nas demais modalidades, pode ser igualmente danosa”, completou.

Para a magistrada, o cometimento de ato ilícito pelo réu é “patente”, pois o conjunto probatório é robusto no sentido de “estampar a agressividade com que ele se dirigia à ex-companheira”. Segundo a relatora, ficou demonstrada a ocorrência de três formas de violência previstas na Lei Maria da Penha: moral, psicológica e patrimonial.

“O requerido proferia diversos insultos contra a ora apelante nas situações mais cotidianas, insultos este extremamente ofensivos à sua honra, inclusive caluniosos, já que se refere a ela como ‘ladra’, acusando-a de furto, sem apresentar provas de tal alegação; controlava o uso do patrimônio comum e ameaçava de se desfazer de objetos adquiridos pela requerente”, acrescentou Zomer.

Ela apontou vários episódios de xingamentos, ameaças e humilhações, o que indica que tal comportamento era corriqueiro, “capaz de estampar a abusividade do relacionamento mantido entre as partes”: “Outra prova são os depoimentos amealhados aos autos, que, embora não se refiram ao período da união, mostram como foi o início do relacionamento, já explanando a prática de atos violentos, que se seguiram.”

Assim, a conclusão da magistrada foi de que a separação do casal foi marcada por intensa violência de cunho doméstico, o que, por si só, revela a gravidade do ocorrido e o sofrimento psíquico da mulher, “insultada, humilhada gravemente em sua honra e controlada financeiramente”. Ela também disse que a autora demonstrou os prejuízos em sua esfera emocional decorrentes da conduta do réu.

“As questões atinentes à violência de gênero, em quaisquer de suas modalidades, devem ser tratadas com a mais ampla e efetiva proteção possíveis. O que está em jogo é, no mais das vezes, a vida e integridade física/psíquica da vítima, bens cuja tutela é de imperiosa e indiscutível importância. Não se pode, de modo algum, esperar que o pior aconteça para que o Estado Juiz intervenha, pois, na esmagadora maioria dos casos, as ameaças, constrangimentos e agressões ocorrem de modo velado, dentro da própria residência, onde, frequentemente, somente o próprio algoz e a vítima são testemunhas do mal feito.”

Ainda segundo Zomer, os abusos de ordem psicológica, muitas vezes, são igualmente intensos ou até maiores que os abusos físicos e podem levar a consequências extremas. “O papel do julgador deve ser o de assegurar que o dano sofrido pela vítima seja devidamente reparado. Por certo, não é dado ao Judiciário compactuar com este inaceitável estado de coisas, especialmente por ser ele o poder em cujas portas se bate diante das mais flagrantes violações de direito”, disse.

Por fim, a desembargadora ressaltou que a possibilidade de arbitramento de indenizações em casos de violência doméstica contra a mulher é pacífica, tanto que o Superior Tribunal de Justiça permite até mesmo que o juiz criminal o faça diretamente em processos submetidos à sua apreciação, desde que haja pedido.

A relatora ainda citou o Tema 983 do STJ, que diz que, “nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória”. A decisão do TJ-SP foi por unanimidade.

Disponível em: ConJur
Acesso em: 22 de Maio de 2023.

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Lei municipal que proíbe banheiros unissex é discriminatória e ilegal, diz TJ-SP

É atentatório ao Estado Democrático de Direito qualquer tipo de discriminação, inclusive pela orientação sexual ou identidade de gênero das pessoas.

Assim entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar inconstitucional uma lei de São Bernardo do Campo, que proibia a instalação de banheiros unissex ou compartilhados em estabelecimentos ou espaços públicos e privados no município.

Ao propor a ação, a Procuradoria-Geral de Justiça afirmou que a norma seria incompatível com preceitos da Constituição Federal, implicando ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e à liberdade de orientação de gênero. A PGJ também disse que o Supremo Tribunal Federal vem atuando na proteção das minorias que sofrem discriminação, o que inclui as pessoas transexuais.

De acordo com o relator, desembargador Vianna Cotrim, a Constituição Federal consagrou objetivos fundamentais visando à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, estabelecendo expressamente em seu texto que não há espaço para qualquer tipo de discriminação, seja de origem, raça, sexo, cor, idade ou outras formas de preconceito.

“A Carta Constitucional consagra a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III), e positiva, expressamente, o reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais no artigo 5º, caput, e incisos, dentre eles o direito à vida e os direitos da personalidade. Qualquer tratamento jurídico discriminatório sem justificativa constitucional razoável e proporcional importa em limitação à liberdade do indivíduo, implicando, assim, violação à principiologia estabelecida na Magna Carta”, disse.

O relator observou que o STF já reconheceu que a Constituição brasileira opera um intencional silêncio em relação à sexualidade dos indivíduos, “perfilhando o entendimento de que, segundo a norma geral negativa de Kelsen, ‘tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido'”.

“Raciocínio que permitiu à Suprema Corte, atenta à diversidade de grupos com interesses, ideologias e projetos diferentes em nossa sociedade, reconhecer a união homoafetiva como instituto jurídico, sendo que um dos argumentos que embasou a decisão foi a proibição da discriminação, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles (ADI 4.277).”

Segundo o magistrado, ao usar a expressão “sexo”, tal como fez a Constituição Federal, deve-se levar em conta não apenas a natureza física, mas também o gênero. Ele disse que a pluralidade dos seres humanos vai além da visão cisgênero, binária e heterossexual, e o autorreconhecimento e a autodeterminação sexual e identitária de gênero são um direito da personalidade e expressão máxima da liberdade, privacidade e dignidade da pessoa humana garantidos pela Constituição.

“Enquanto a definição de masculino e feminino advém do conceito biológico, intrinsicamente ligado à presença ou ausência do cromossomo Y no cariótipo, na identidade de gênero o que é concebido como homem, mulher, ou outros, tem relação com a auto percepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente, podendo ou não guardar relação de compatibilidade com a condição física de nascimento”, afirmou.

Conforme o relator, o conceito de “sexo” estabelecido na Constituição Federal deve abranger, “seja por integração dos significados, seja por inexistir exclusão expressa”, a identidade de gênero, de modo que, se o texto constitucional não admite qualquer discriminação com base no sexo do indivíduo, não se pode permitir, também, qualquer segregação com base no gênero.

“O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que a identidade de gênero e a orientação sexual constituem dimensões essenciais da dignidade, da personalidade, da autonomia, da privacidade e da liberdade (ADPF 527), tendo a C. Corte se pronunciado no sentido de repudiar qualquer espécie de discriminação envolvendo identidade de gênero para que direitos possam ser exercidos sem comprometer a liberdade e personalidade de cada indivíduo”, completou Cotrim.

Lei de São Bernardo do Campo
Neste contexto, o desembargador disse que a lei impugnada implica restrição à liberdade de escolha de parcela da população que não se identifica exclusivamente com o gênero feminino ou com o masculino, configurando conduta discriminatória vedada pela Constituição Federal.

“Isto porque, a proibição de que estabelecimentos públicos e privados criem em seus espaços banheiros compartilháveis obriga pessoas transgêneros, queers, intersexuais, entre outros, a se enquadrarem em conceitos de masculino ou feminino com os quais não se identificam, dando azo à inegável constrangimento, malferindo, com isso, o princípio da dignidade da pessoa humana”, explicou.

Na visão de Cotrim, não se pode obrigar qualquer ser humano a se reconhecer de forma diversa daquela como ele mesmo se enxerga, sob pena de violação das garantias e liberdades constitucionais adotadas pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro, dentre as quais a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a dignidade.

“Descabe potencializar o inaceitável estranhamento relativo a situações divergentes do padrão imposto pela sociedade para marginalizar cidadãos, negando-lhes o exercício de direitos fundamentais. A tutela estatal deve levar em conta a complexidade ínsita à psique humana, presente a pluralidade dos aspectos genésicos conformadores da consciência. É inaceitável, no Estado Democrático de Direito, inviabilizar a alguém a escolha do caminho a ser percorrido, obstando-lhe o protagonismo, pleno e feliz, da própria jornada.”

Para o relator, a criação de banheiros unissex ou compartilhados não impede o estabelecimento de manter banheiros destinados exclusivamente para homens e mulheres. “Demais disso, ao contrário do que alegou a Câmara Municipal, não há estudos ou dados concretos que demonstrem que a criação de banheiros compartilháveis aumente os índices de qualquer tipo de violência”, acrescentou.

Além disso, o magistrado disse que, por se caracterizar como direito fundamental e, ao mesmo tempo, da personalidade, os direitos relativos à sexualidade se revestem com a prerrogativa de não discriminação, sendo imprescindível criar condições para que a diversidade prevaleça em relação ao Estado e à sociedade, assegurando a todos os indivíduos instrumentos inclusivos perante suas singularidades.

“Por fim, há de se considerar que a norma vergastada afronta os princípios da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica, insculpidos nos artigos 1º, inciso IV, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal, ao impor, sem qualquer justificativa razoável ou interesse local, um padrão estrutural aos estabelecimentos comerciais do município, obstaculizando, com isso, a ampla captação de clientes”, finalizou o relator. A decisão foi por unanimidade.

Disponível em: ConJur
Acesso em: 18 de Maio de 2023.

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Receita convida contribuintes a aplicar tese do STJ e regularizar IRPJ e CSLL

Antes mesmo da publicação do acórdão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que proibiu a exclusão automática de benefícios do ICMS da base de cálculo de IRPJ e CSLL, a Receita Federal está convidando grandes contribuintes a aplicar a tese e fazer a autorregularização.

O convite começou a ser feito a partir de quarta-feira (10/5) em notificações da Coordenação Especial de Maiores Contribuintes (Comac) da Receita Federal, órgão que faz um acompanhamento diferenciado fiscalizatório e deve enquadrar aproximadamente 5 mil com indícios de redução indevida.

Esses terão até 31 de julho para retificar os cálculos e recolher as diferenças. Em troca, estarão liberados de pagar a multa de 75% sobre a totalidade da diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, que incide quando há o lançamento de ofício, e da multa de 20% de mora.

No caso dos contribuintes já fiscalizados ou autuados, a autorregularização permitirá redução de até 50% do valor da multa, com parcelamento em até 60 meses. Tudo a partir da urgência com que o governo tratou a questão, considerada importante para o ajuste fiscal perseguido pelo Ministério da Fazenda — o cálculo é de impacto de até R$ 90 bilhões por ano.

“As dezenas de bilhões de reais a serem recolhidos no âmbito desse programa de autorregularização e na cobrança subsequente serão essenciais para a continuidade dos serviços públicos e programas sociais não apenas da União, mas também de estados e municípios que receberão parcela significativa dos recursos”, afirmou o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, ao site do órgão.

A atuação da Comac, é vista como muito positiva por advogados tributaristas, por permitir a autorregularização antes de autuações e evitar despesas e discussões administrativas e judiciais. Nesse caso específico, tem chamado a atenção a rapidez com que propõe aplicar a tese do STJ.

O julgamento foi em 26 de abril, quando a 1ª Seção entendeu que benefícios fiscais relacionados ao ICMS só podem ser excluídos da base de IRPJ e CSLL se atendidos os requisitos previstos no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/2014.

Isso significa que tais benefícios fiscais precisam ter sido publicados até início de produção de efeitos da Lei Complementar 160/2017 ou precisarão ser registrados em conta de reserva de lucros, que pode ser usada pelas empresas para absorção de prejuízos ou aumento de capital social, mas não para situações que lhes confiram a qualidade de lucro ou renda.

Na tese fixada, o STJ citou a possibilidade de a Fazenda Nacional apurar se os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

Os efeitos do julgamento chegaram a ser suspensos por decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal. Em 4 de maio, antes de levar sua decisão a referendo do Plenário, ele mudou de ideia e efetivou a tese fiscal do STJ.

Em regra, a Fazenda aguardaria a publicação do acórdão para saber exatamente o que ficou decidido. O advogado Vinicius Caccavali, do VBSO Advogados, destaca que o julgamento foi comemorado pelo Ministério da Fazenda como uma vitória absoluta, o que não ocorreu de fato.

“Os contribuintes têm direito a excluir os benefícios da base de cálculo. A única questão é que têm que respeitar a destinação do lucro. Muitos cumpriram isso e constituíram reserva de lucros, mas estão sendo notificados”, afirmou. A impressão é de que a medida da Comac foi tomada de maneira apressada.

O comunicado do órgão avisa que os contribuintes cuja exclusão da base de cálculo foi feita corretamente devem apresentar os dispositivos da legislação estadual que concedeu o beneficio do ICMS e a memória de cálculo dos valores excluídos. Após 31 de julho, a Fazenda começará os procedimentos de fiscalização.

Disponível em: ConJur
Acesso: 15 de Maio de 2023.

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STJ: Seguradora deve indenizar segurado que não tinha diagnóstico médico confirmado

Com base na Súmula 609, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que uma seguradora não poderá se recusar a pagar indenização do seguro de vida, pois não exigiu a realização de exames médicos e perícias antes da contratação, nem comprovou ter havido má-fé por parte do segurado.

Na origem do caso, foi ajuizada ação de cobrança de seguro de vida pelas herdeiras do falecido, já que, após darem entrada no pedido para recebimento da indenização, a seguradora se negou a pagar, sob a justificativa de que o segurado sabia ser portador de doença e omitiu tal informação no momento da contratação.

Em primeiro grau, a seguradora foi condenada a pagar a indenização. O tribunal estadual manteve a decisão, sob o fundamento de que, por não haver diagnóstico conclusivo, mas apenas alterações com suspeita de células neoplásicas, o segurado não tinha obrigação de se autodeclarar portador de alguma doença quando contratou o seguro.

A empresa de seguros recorreu ao STJ sustentando que, como o contratante investigava a possibilidade de estar com uma doença grave, ele teria violado o dever de boa-fé ao se declarar em plenas condições de saúde.

No julgamento de agravo interno, a 4ª Turma confirmou a decisão monocrática do relator, ministro Marco Buzzi, que negou provimento ao recurso da seguradora. Além de invocar a Súmula 609, o ministro apontou a Súmula 7 do tribunal, que impede o reexame de provas em recurso especial.

“O tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, asseverou que a seguradora, ora recorrente, não solicitou a realização de exames ou perícia prévios para apuração de doenças preexistentes, e tampouco comprovou a má-fé do segurado, o que torna ilícita a recusa da cobertura securitária”, declarou Marco Buzzi.

O ministro observou que o entendimento da Corte de origem está em consonância com a jurisprudência do STJ e que, para afastar suas conclusões a partir dos argumentos apresentados pela seguradora, seria inevitável reavaliar as provas do processo.

Marco Buzzi assinalou também que, como destacado pelo acórdão de segunda instância, a proposta que foi preenchida pelo segurado e juntada aos autos está ilegível, não sendo possível entender o que foi perguntado, nem se as respostas apresentadas seriam realmente falsas. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça

Disponível em: ConJur
Acesso: 11 de Maio de 2023.

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STJ mantém condenação a banco por causa de ‘golpe do motoboy’

Embora seja dever dos consumidores zelar pela guarda e segurança do cartão magnético e das senhas pessoais, é de competência das instituições financeiras a adoção de mecanismos que impeçam operações atípicas em relação ao padrão de consumo dos clientes. Assim, a vulnerabilidade do sistema bancário viola o dever de segurança que cabe aos bancos e resulta em falha na prestação do serviço.

Seguindo esse entendimento, firmado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ, manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) que mandou um banco ressarcir um médico aposentado que foi vítima do “golpe do motoboy” em fevereiro de 2021. Na ocasião, o cliente, de 70 anos, perdeu R$ 98,5 mil.

A dinâmica do golpe tem início com uma ligação para o cliente, em que um criminoso se passa por funcionário do banco. Ele informa ao correntista a existência de movimentações financeiras em seu nome, questionando se o cliente as reconhece. Surpreendida com a informação, a vítima é orientada a entrar em contato com o número da central de atendimento da instituição financeira constante no verso do seu cartão de crédito, para proceder ao bloqueio das operações financeiras desconhecidas.

Ocorre que, previamente, os criminosos fazem a interceptação da linha telefônica do cliente, de forma que, ao fazer a ligação para o número que consta no cartão, a vítima é direcionada para uma falsa central. Acreditando estar em contato com funcionários do banco, o cliente é induzido a digitar a sua senha pessoal — momento em que ela é capturada —, bem como a entregar o objeto, aparentemente inutilizado (cortado), mas com o chip intacto, a um suposto motoboy que presta serviços à instituição.

Na decisão, o ministro considerou o entendimento da 3ª Turma do STJ de que cabe aos bancos, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietários das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), “a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto”.

Bellizze afirmou que, no caso do “golpe do motoboy”, há a concorrência de causas, “de modo que o estelionato não teria êxito se ausente a conduta do consumidor, e, da mesma forma, o crime não ocorreria se a instituição financeira cumprisse com o dever de segurança de impedir transações com aparência de ilegalidade.”

No entanto, o relator destacou que, por se tratar de um cliente idoso, “a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável”. Nessas circunstâncias, deve ser declarada “a inexigibilidade de todas as transações bancárias não reconhecidas pelo recorrente”.

O idoso foi representado na ação pelos advogados Ulisses Riedel, Ludmila Mendes e Arthur Augusto Groke Faria, da Advocacia Riedel. Para Ludmila, a decisão traz segurança o consumidor. “Golpes como esse infelizmente têm se tornado cada vez mais frequentes, e as vítimas, em grande parte das vezes, são idosos. A decisão garante maior segurança para os clientes e incentiva que os bancos adotem medidas de segurança mais efetivas — que de fato bloqueiem as operações fora do padrão de consumo do consumidor — e assumam responsabilidade em caso de desfalque.”

Disponível em: ConJur
Acesso em: 08 de Maio de 2023.

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