17 nov, 2022
A 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um banco a indenizar um consumidor por cobranças indevidas de um contrato fraudulento de financiamento. A reparação por danos morais foi arbitrada em R$ 50 mil.
O entendimento do TJ-SP foi o de que, entre outros direitos básicos do consumidor, está a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, conforme disposto no Código de Defesa do Consumidor.
O autor alegou, na ação, que nunca manteve qualquer relação jurídica com o banco réu, mas foi surpreendido com a cobrança de um boleto celebrado em seu nome, relativo a um contrato de financiamento de um veículo. Ele disse que tentou resolver a questão diretamente com o banco, mas não obteve sucesso.
Em seguida, houve um bloqueio judicial de R$ 32 mil na conta do autor, proveniente de um pedido do banco em uma ação de busca e apreensão. Ao efetuar sua declaração de imposto de renda, o homem também descobriu uma cobrança da Receita Federal de R$ 228 mil, em razão da apreensão do veículo financiado, utilizado para contrabando de cigarros.
Diante disso, o autor acionou o Poder Judiciário em busca da nulidade do contrato de financiamento e da condenação do banco por danos morais. Os pedidos foram acolhidos em primeiro grau. O TJ-SP negou provimento ao recurso da instituição financeira, nos termos do voto do relator, desembargador Roberto Mac Cracken.
“Sob a égide da lei consumerista e pelo que dos autos consta, o requerido responde pelo defeito no serviço prestado, independentemente da existência de culpa, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, já mencionado, ou seja, mesmo que não tenha colaborado diretamente para a ocorrência do evento danoso, a não ser que comprove a culpa exclusiva do consumidor, o que não ocorreu no presente caso.”
Segundo Mac Cracken, entre os direitos básicos do consumidor está a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais. Ele destacou que um serviço é defeituoso, nos termos do CDC, quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, permitindo a ocorrência de danos, em razão das circunstâncias, não existindo medidas para o fim de evitar prejuízos, como o ocorrido neste caso.
“No caso em apreço, a não diligências necessárias na formalização de contrato com terceiros, sem as devidas verificações de que não era o autor, causaram diversos danos, dentre os quais restaram demonstradas, como cobranças realizadas por ligações feitas a familiares, cobrança indevida de boletos, propositura de ação de busca e apreensão contra o autor, bloqueio judicial e cobrança de valores pela Receita Federal em razão de apreensão de veículo por contrabando de cigarros”, afirmou.
Todas essas situações, na visão do relator, causaram ao autor sofrimento “impróprio e desnecessário”, que excederam o mero aborrecimento, configurando o dano moral, independentemente das diligências tomadas pelo banco antes da propositura da ação, já que foi a assinatura do contrato de financiamento, sem as devidas cautelas, que gerou as consequências ao consumidor.
“Diante de todo produzido nos autos, tendo em vista a extrema gravidade dos fatos, a turma julgadora entende que a condenação a título de reparação por dano moral é de rigor, e, sopesando-se os requisitos acima mencionados, inclusive com observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mostra-se justa e adequada a manutenção do valor da indenização fixada em R$ 50 mil, de modo a permitir a devida reparação do dano moral sofrido pelo autor”, completou.
Para Mac Cracken, situações como essas “sempre devem ser afastadas”, com todas as consequências próprias constantes no ordenamento jurídico: “A determinação de expedição de ofícios para organismos estatais deve visar também efeitos pedagógicos, com a finalidade de que a repetição das condutas adotadas não mais ocorra.”
Assim, o relator determinou o envio de cópia dos autos para o Procon, o Ministério Público e o Banco Central para que tomem as providências que entenderem cabíveis ao caso. A decisão se deu por unanimidade.
Disponível em: ConJur
Acesso em: 17 de Novembro de 2022.
10 nov, 2022
Se um contrato de prestação de serviço é firmado entre dois particulares que estão em pé de igualdade na relação econômica, não cabe ao Poder Judiciário revisar cláusulas e intervir no que foi acertado por ambas as partes.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve válida uma cláusula contratual que permitiu a uma empresa de gestão médica não remunerar um grupo especializado em transplante de órgãos, apesar de o serviço ter sido prestado.
A contratação ocorre no contexto de um contrato emergencial fechado pela prefeitura de Araucária com a empresa de gestão, para atuar em hospital da cidade. Para cumprir o acordo, essa empresa então contratou o grupo médico especializado no transplante de órgãos.
O acordo entre os dois particulares incluiu uma cláusula que previu que, na hipóteses de a prefeitura de Araucária romper o contrato, o grupo médico não seria remunerado, mesmo que o serviço já tivesse sido prestado.
As instâncias ordinárias entenderam que a cláusula não é abusiva, por conta da peculiaridade da contratação. No STJ, o tema dividiu a 3ª Turma. Relator, o ministro Moura Ribeiro votou por dar provimento ao recurso especial e obrigar a empresa de gestão a pagar dívida de R$ 78,2 mil.
Para ele, não é razoável condicionar o pagamento da empresa contratada à atuação de terceiro — no caso, o município de Araucária. Assim, a cláusula “extrapola esse ‘limite do sacrifício’ que se podia ter por razoável na contratação, na medida em que subtrai da contratante a justa remuneração por serviços efetivamente prestados”, disse.
Abriu a divergência vencedora a ministra Nancy Andrighi, para quem a existência de equilíbrio e liberdade entre as partes durante a contratação afasta nulidade de uma cláusula com fundamento na violação da boa-fé objetiva e na função social do contrato.
Se é um contrato firmado entre dois particulares em pé de igualdade no momento de deliberação, aplica-se o artigo 421 do Código Civil, que trata da liberdade contratual e diz que prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, a ofensa à boa-fé e à função social do contrato estaria patente se o Judiciário admitisse que o grupo médico obtivesse a revisão de uma cláusula que negociou livremente, apenas porque ocorreu o evento o qual sabia que estava suscetível.
“Havia equilíbrio entre a recorrente e a recorrida na contratação, sendo que ambas desfrutaram de ampla liberdade para determinar os termos da relação que ali se pactuou”, afirmou a relatora. Formaram a maioria com ela os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.
Disponível em: ConJur
Acesso: 10 de Novembro de 2022.
7 nov, 2022
No caso de perda total do veículo comprado mediante alienação fiduciária, a seguradora não pode condicionar o pagamento do prêmio à comprovação de que o automóvel está com financiamento quitado e sem qualquer gravame.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça obrigou uma seguradora a cumprir o contrato que firmou, mediante o pagamento do prêmio pela perda total do veículo segurado.
A questão toda se baseia no fato de o automóvel ter sido comprado mediante financiamento com garantia de alienação fiduciária. Nele, o banco fornece o dinheiro, mas passa a ser o proprietário do bem até que a dívida seja quitada, mediante pagamento de parcelas.
Antes da quitação, no entanto, o segurado sofreu acidente que levou à perda total do veículo. Nesse caso, caberia à seguradora pagar o prêmio previsto e, em troca, receber a propriedade do que restou do automóvel e que ainda pode ter algum valor comercial.
Essa sub-rogação, prevista no artigo 786 do Código Civil e 126 do Código de Trânsito Brasileiro, deve ser feita após o pagamento integral da indenização securitária devida. Por isso, segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a posição da seguradora no caso foi abusiva.
“Mesmo em relação aos veículos segurados gravados com cláusula de alienação fiduciária, não pode a seguradora vincular o pagamento da indenização securitária à apresentação de documento que comprove a quitação do financiamento e a baixa do gravame”, disse.
A falta de previsão contratual sobre como se deve operar o pagamento do prêmio na hipótese de veículos alienados fiduciariamente não pode ser empecilho ao cumprimento do contrato. “Tal negativa desproporcional configura-se, na realidade, locupletamento indevido do ente segurador”, afirmou.
O relator ainda afirmou que nada impede que a indenização securitária seja paga diretamente à instituição financeira, a fim de se amortizar o saldo devedor, afastando os gravames sobre o que restou do veículo e permitindo a transferência da propriedade do bem.
“O fato de o veículo segurado ser objeto de garantia por alienação fiduciária não obsta o pagamento da indenização securitária na ocorrência de perda total do bem. A sub-rogação da seguradora nos direitos de propriedade do salvado somente se perfaz após a observância da sua parte na avença”, concluiu. A votação foi unânime.
Disponível em: ConJur
Acesso em: 07 de Novembro de 2022.
3 nov, 2022
A 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a condenação de uma empresa que foi omissa com uma funcionária que sofreu ofensas racistas no ambiente de trabalho. Com a decisão, a empregadora terá que pagar R$ 10 mil em indenização por danos morais.
A mulher foi chamada de “neguinha fuleira” e “com cara de escravo” por colegas de trabalho via áudios no WhatsApp. Segundo o supervisor da empresa, nenhuma penalidade foi aplicada aos ofensores e o setor de recursos humanos da firma justificou que a situação havia ocorrido fora do ambiente corporativo, por isso não havia ação a ser tomada.
Para o relator, juiz Roberto Vieira de Almeida Rezende, o fato de as agressões racistas terem sido proferidas em aplicativo de mensagens e fora do local de trabalho “em nada isenta o empregador, que não puniu o agressor tampouco comprovou orientação aos funcionários para inibir ações similares futuras”.
Na análise de Rezende, cabia à organização “combater, evitar e punir referida prática odiosa”, pois as agressões decorreram do relacionamento entre seus funcionários. Além disso, ele destacou que houve ampla divulgação no ambiente de trabalho e “a empresa não cumpriu o papel de garantir a integridade psicológica da reclamante (ambiente de trabalho saudável)”.
Dessa forma, o magistrado considerou que o dano sofrido é inequívoco e a empresa é responsável em decorrência de sua conduta omissiva. Com informações da assessoria de imprensa do TRT-2.
Disponível em: ConJur
Acesso em: 03 de Novembro de 2022.
31 out, 2022
A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou, por unanimidade, que mulheres indígenas do povo Guarani que vivem nos municípios da região metropolitana de São Paulo podem receber o salário-maternidade quando se tornarem mães antes dos 16 anos.
O benefício previdenciário deverá ser pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) às jovens cadastradas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como exercentes de atividade rural.
O Ministério Público Federal alegava que as populações indígenas Guarani têm características culturais e sociais que levam as adolescentes a trabalharem em regime de economia familiar e terem filhos antes dos 16 anos.
O relator, desembargador David Diniz Dantas, destacou que “estudos mostram que a maternidade e a condição laboral anterior aos 16 anos é um traço característico dos povos indígenas brasileiros, que lutam para manter suas tradições, não obstante a interferência externa”.
Segundo Dantas, “a proteção à maternidade se constitui em um dos focos de atendimento da previdência social (artigo 201, inciso II); e a Constituição da República de 1988, a Convenção 129 da Organização Internacional do Trabalho e o Estatuto do Índio garantem à população indígena os mesmos benefícios previdenciários concedidos aos demais trabalhadores”.
Dessa forma, o desembargador considerou que “negar o benefício, pelo não preenchimento do requisito etário para filiação ao RGPS, a uma jovem impelida a trabalhar, por razões culturais, antes mesmo dos seus dezesseis anos, mostra-se em dissonância com as leis que tutelam as minorias indígenas e com o propósito da norma de proteção ao menor, deixando ao desamparo mãe e filho”.
Disponível em: ConJur
Acesso em: 31 de Outubro de 2022.
27 out, 2022
As limitações contratuais podem até abranger a rede de atendimento hospitalar e laboratorial e o tipo de acomodação, mas em nenhuma circunstância o tratamento que tenha por objetivo restabelecer a saúde do contratante.
Assim entendeu a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao reformar sentença de primeiro grau para determinar que uma operadora de plano de saúde custeie um medicamento indicado para o tratamento de dermatite atópica grave de uma criança.
De acordo com a família, a dermatite crônica é de difícil tratamento e se manifesta através de coceiras intensas e persistentes, graves erupções cutâneas e problemas de pele que causam sucessivas infecções. O medicamento indicado para a menina tem registro junto à Anvisa, mas não está incluído no rol de procedimentos da ANS.
Por isso, o plano de saúde negou a cobertura do tratamento. Segundo o relator, desembargador Edson Luiz de Queiroz, a aplicação da normas consumeristas, bem como dos princípios e normas que regem o Direito Civil, notadamente o princípio da boa-fé e a função social do contrato, levam à conclusão de que a ré tem obrigação de fornecer o remédio.
“Nada obstante válido o princípio da pacta sunt servanda, não é ele absoluto, e deve ser interpretado em consonância com as normas de ordem pública, com os princípios constitucionais e, na presente hipótese, com o escopo de preservar a natureza e os fins do contrato”, afirmou.
O medicamento prescrito à autora, acrescentou o relator, nada mais é do que a continuidade do tratamento de uma doença coberta pelo contrato: “A negativa equivale a interrupção do tratamento, com violação da justa expectativa do paciente pela continuidade da cobertura”.
Para o magistrado, a negativa do plano também viola a função social do contrato, uma vez que a assistência médica tem relação com a obrigação de restabelecer ou procurar restabelecer, através dos meios técnicos possíveis, a saúde dos pacientes.
“Ora, se a doença tem cobertura contratual, os tratamentos e exames também terão e devem acompanhar a evolução das técnicas da medicina. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que: o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura”, completou.
Queiroz afirmou ainda que a operadora não pode limitar os métodos que levarão à cura do paciente, sob pena de frustar a finalidade do contrato. “Negar o tratamento equivale a negar cobertura para a doença”, disse o relator, destacando que o rol da ANS, em sua visão, representa cobertura mínima, mas jamais exaustiva.
“A lista de procedimentos médicos e medicamentos autorizados é editada com certo atraso e esse fato não pode prejudicar o paciente. Restringir o atendimento ao rol da ANS seria negar ao paciente tratamento mais avançado, ou até ao único existente, pois os trâmites burocráticos da agência não acompanham o avanço”, concluiu. A decisão foi unânime.
Disponível em: ConJur
Acesso em: 27 de Outubro de 2022.