22 ago, 2022
A vulnerabilidade do sistema bancário, frágil o suficiente para permitir a ocorrência do “golpe do motoboy”, configura descumprimento do dever de segurança das instituições financeiras, que, assim, falham na adoção de medidas que lhe cabiam e estavam ao seu alcance.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para livrar uma correntista de arcar com as dívidas feitas por criminosos que a enganaram por meio de compras efetivadas com o cartão de crédito dela.
A mulher caiu no “golpe do motoboy”, bastante popular atualmente. Ela recebeu uma ligação de alguém que se dizia representante do banco, informando que seu cartão estava com um problema e pedindo para ela digitar a senha no teclado do telefone, para cancelamento.
Na sequência, pediu para ela quebrar o cartão sem danificar o chip e entregá-lo a um motoboy, que passaria em sua residência para buscar o objeto. Depois disso, começou a receber avisos de transações feitas por meio do mesmo cartão que ela acabara de entregar.
Em apenas 11 minutos, os criminosos efetuaram nove compras, gastando R$ 25 mil. Para isso, conseguiram aumentar o limite do cartão de crédito, que era de R$ 12,5 mil. Até então, a média mensal de gastos da correntista com o cartão era de R$ 1,5 mil.
A ação pediu a declaração de inexigibilidade de todos os débitos decorrentes dessas transações fraudulentas. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o pedido improcedente porque não identificou nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta do banco.
Para a corte paulista, não havia provas de falha no serviço da instituição financeira, principalmente porque a correntista não comunicou o uso indevido de seu cartão assim que recebeu, em tempo real, a mensagem de texto da primeira compra fraudulenta.
Falha comprovada
No entanto, a relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, reformou a decisão. Ela afirmou que é inegável que o banco falhou no seu dever de segurança ao admitir transações atípicas, com aparência de ilegalidade, devido à frequência e aos altos valores.
Assim, a instituição financeira é também responsável pelo golpe. Uma parte da culpa é da consumidora, pois o que permitiu a ocorrência do crime foi a ação de entregar o cartão ao motoboy e digitar a senha do cartão no telefone.
“Sendo o consumidor vítima de golpe de estelionatário por negligenciar os cuidados com cartão e senha e sendo o banco complacente com transações que fogem completamente do padrão de consumo do correntista, existe conduta concorrente para ocorrência do evento danoso”, argumentou a ministra.
A proposta feita foi, reconhecida a culpa concorrente, dividir a responsabilidade proporcionalmente ao grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos. Inicialmente, a ministra votou por declarar a inexigibilidade de 85% das transações bancárias não reconhecidas pela autora.
Vítima hipervulnerável
Em voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apresentou outro entendimento. Ele defendeu que a possibilidade de reduzir a indenização em face do grau de culpa da vítima do dano deve ser interpretada restritivamente, sendo aplicada apenas quando ela, conscientemente, assumir e potencializar os riscos.
Seria o caso, por exemplo, de um correntista que, apesar de todos os alertas feitos pelas instituições bancárias, carrega consigo o cartão e um papel com a senha, perde ambos e é surpreendido com diversas transações bancárias que não reconhece.
“No caso dos autos, não é razoável entender que a vítima, ao digitar a sua senha pessoal no teclado de seu telefone depois de ouvir a confirmação de todos os seus dados pessoais e ao destruir parcialmente o seu cartão antes de entregá-lo a terceiro que dizia ser preposto do banco, assumiu o risco de vir a sofrer danos”, afirmou o ministro.
Principalmente, segundo o magistrado, porque a vítima é idosa. “A imputação de responsabilidade deve ser feita considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável”, disse o ministro Cueva. Foi esse o ponto que levou a ministra Nancy Andrighi a julgar o pedido totalmente procedente e declarar a inexigibilidade de toda a dívida causada pelo “golpe do motoboy”.
Disponível em: ConJur
Acesso em: 22 de Agosto de 2022.
18 ago, 2022
Em decisão monocrática, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, reconheceu que são abusivas as cláusulas contratuais que impõem limitações ou restrições aos tratamentos médicos prescritos a pacientes.
A decisão, que já transitou em julgado, foi estruturada com base em um processo cujo autor possui atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, em razão de seu nascimento prematuro, motivo pelo qual foi encaminhado para tratamento de integração longitudinal em terapia ocupacional com integração sensorial para estímulo e desenvolvimento infantil.
A operadora do plano de saúde recusou a cobertura sob o fundamento de que os procedimentos e tratamentos que não estão listados no rol editado pela ANS não possuem obrigatoriedade de custeio, e o contrato prevê limitação do número de sessões.
O plano alegou também que o método sensorial prescrito pelo médico não possui comprovação científica.
Em atenção à negativa, foi promovida ação de obrigação de fazer com pedido de tutela de urgência para garantir o direito do tratamento ao menor, sendo que na sentença o juízo da 8ª vara Cível de Santo André/SP manifestou que a postura da operadora de saúde ia contra o ordenamento jurídico.
O magistrado também destacou que os procedimentos médicos não podem sofrer limitações se indicados para o tratamento do paciente e que não cabe à operadora interferir nos procedimentos adotados a fim de definir ou até mesmo questionar a necessidade do tratamento indicado por médico especializado.
Em destaque, trouxe o enunciado da súmula 102 do TJ/SP, que informa que é abusiva a negativa de cobertura e custeio de tratamento quando prescrita por médico, mesmo que não prevista no rol de procedimentos da ANS.
Mantendo esse entendimento a 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP também reforçou a abusividade na negativa de cobertura e limitação de sessões dos tratamentos multidisciplinares, em atenção à prescrição médica indicada para a reabilitação com o objetivo de promover melhora no desenvolvimento motor e cognitivo do menor, a fim de propiciar qualidade de vida.
Destacou o Tribunal que as resoluções da ANS têm cunho administrativo e não podem servir de justificativa para a exclusão de procedimentos prescritos ao paciente.
Irresignada com ambas as decisões, a operadora do plano de saúde interpôs recurso especial, cujo provimento foi negado pelo ministro Cueva, sob o fundamento de que o rol de procedimentos da ANS é meramente exemplificativo e a negativa do tratamento prescrito pelo médico fere o resguardo da saúde e vida do paciente.
Disponível em: Migalhas
Acesso em: 18 de Agosto de 2022.
15 ago, 2022
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso de um auxiliar de forno contra decisão que indeferiu seu pedido de indenização substitutiva pelo período de estabilidade acidentária, após ele ter rejeitado a reintegração, durante audiência de conciliação, por ter obtido novo emprego. Para o colegiado, não se pode converter a recusa da proposta em direito indenizatório, desconsiderando a vontade livremente manifestada por ele em juízo.
Acidente
O auxiliar de forno fora contratado pela Avant Recursos Humanos para prestar serviços para a Sunplay Indústria e Comércio, fabricante de plásticos de Guarulhos (SP). Na reclamação trabalhista, ele relatou ter sofrido acidente de trabalho em dezembro de 2015, quando uma forma vazia atingiu sua mão esquerda, provocando fraturas.
Proposta recusada
Na audiência de conciliação, a empresa colocou o cargo à disposição do auxiliar, mas ele rejeitou a reintegração porque, na ocasião, já tinha obtido novo emprego. O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Guarulhos, então, deferiu a indenização substitutiva do período, por entender que o fundamento para a aquisição do direito à estabilidade provisória é a ocorrência de acidente do trabalho, independentemente do recebimento do auxílio-doença ou da recusa à reintegração. A empresa também foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 50 mil.
Desinteresse
A sentença, no entanto, foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que afastou a indenização substitutiva da estabilidade e reduziu o valor da indenização por dano moral para R$ 2 mil. Segundo o TRT, o trabalhador havia demonstrado “total desinteresse” na continuidade do contrato de trabalho, configurando, assim, a renúncia à estabilidade a que teria direito.
Direito disponível
Prevaleceu, no julgamento do recurso de revista do auxiliar, o voto do ministro Breno Medeiros, para quem não há um direito absoluto à conversão do período de estabilidade em indenização substitutiva. Ele assinalou que a situação é diferente da estabilidade da gestante, que, por dizer respeito à proteção do bebê, é um direito indisponível. “No caso do empregado afastado por acidente do trabalho e que não retorna ao emprego após a liberação previdenciária para gozar da estabilidade acidentária, não existe essa indisponibilidade”, afirmou.
Segundo o ministro, a manifestação individual da ausência de interesse em retornar ao antigo trabalho afasta qualquer pretensão em torno desse instituto legal. “O direito de retorno, portanto, não se converte em indenização substitutiva quando a evasão do posto de trabalho se dá por iniciativa do empregado, que assume um contrato em outra empresa, em lugar de retornar ao seu antigo local de trabalho, exatamente porque aqui não incide nenhuma hipótese de irrenunciabilidade do direito à estabilidade”, concluiu
A decisão foi por maioria, vencido o relator, desembargador convocado João Pedro Silvestrin.
Processo: RR-1000931-79.2016.5.02.0313
Disponível em: AASP
Acesso em: 15 de Agosto de 2022.
8 ago, 2022
A 10ª turma do TRT da 1ª região manteve por unanimidade a decisão que não considerou como fraude à execução a venda de um imóvel por uma das sócias executadas. Em relatoria do juiz convocado Cláudio José Montesso, o colegiado prosseguiu a sentença “observando-se que a alienação do bem imóvel de propriedade pela sócia ocorreu quando esta ainda não havia sido citada para a execução, tem-se que o negócio jurídico ocorreu sem configurar fraude à execução”.
Na presente execução trabalhista, foram frustradas as tentativas de atingir o patrimônio da creche condenada ao pagamento de verbas trabalhistas a uma ex-empregada. Assim, o incidente de desconsideração de personalidade jurídica foi julgado procedente e os sócios da instituição também foram acionados na fase de execução. Ao realizar a pesquisa patrimonial dos sócios, foi encontrado um imóvel de propriedade de uma das empresárias. Entretanto, 25% do referido bem havia sido vendido. Assim, a trabalhadora alegou que houve fraude à execução e requereu a anulação da compra e venda do imóvel.
Em sua defesa, a sócia argumentou que não houve a alegada fraude à execução, uma vez que alienou o seu imóvel em 21/9/17 e que, somente a partir de 5/12/18, quando houve a sua inclusão como executada nos autos principais, é que começou a fazer parte do polo passivo da demanda.
A 1ª vara do Trabalho de Teresópolis/RJ julgou procedente o incidente de fraude. O juízo entendeu que a sócia estava ciente acerca da existência do processo trabalhista, uma vez que o feito tramita desde 2005, e mesmo assim efetuou a transação imobiliária, atuando para fraudar a execução do bem. Assim, o juízo tornou nula a escritura de compra e venda do imóvel.
Inconformada com a decisão, a sócia opôs agravo de petição. Argumentou que, embora a ação trabalhista esteja tramitando desde 2005, ela somente tomou conhecimento da mesma em 25/11/19. Afirmou que enquanto a desconsideração da personalidade jurídica não estivesse consumada, poderia alienar, gravar ou transferir seus bens, sem que configurasse fraude à execução.
No segundo grau, o caso teve a relatoria do juiz convocado Cláudio José Montesso. O magistrado ressaltou o entendimento jurisprudencial de que não há que se falar em fraude à execução quando a transação do imóvel foi feita anteriormente à citação do sócio vendedor para a execução, ainda que haja sentença declarando a procedência do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
O magistrado fundamentou sua decisão colacionando aos autos diversos julgados nesse sentido, inclusive da 10ª Turma do TRT/RJ, e reputou válida a alienação do imóvel, afastando os atos de constrição sobre o bem.
“Observado que a alienação do bem imóvel de propriedade da sócia agravante ocorreu quando esta ainda não havia sido citada para a execução, tem-se que o negócio jurídico ocorreu validamente, sem configurar fraude à execução, conforme inteligência que se extrai da Súmula n° 375 do E. STJ.”
Disponível em: Migalhas
Acesso em: 08 de Agosto de 2022.
4 ago, 2022
O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos, a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o evento danoso.
O entendimento foi adotado pela 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ao confirmar a condenação do Estado e de um hospital púbico ao pagamento de indenização por não ter internado uma gestante de alto risco, o que levou à morte do bebê. A reparação ao casal foi fixada em R$ 50 mil.
De acordo com os autos, a gestação da autora da ação era de alto risco por ter idade materna avançada (38 anos), histórico de abortos espontâneos e diagnóstico de pré-eclâmpsia. Assim, havia necessidade de cuidados especiais e acompanhamento médico intensivo desde antes do parto, o que não ocorreu.
Segundo o laudo pericial, nos termos do protocolo da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o caso era de internação pelo risco de mortalidade, “o que possivelmente teria levado a outro desfecho fetal”, já que horas antes do início do parto o feto estava vivo e “apresentava-se em adequadas condições de vida”.
Para o relator, desembargador Camargo Pereira, “muito embora não tenha havido nenhuma comprovação acerca de eventual dolo por parte dos agentes”, ficou demonstrado que a morte do bebê decorreu, em alguma medida, de imperícia, imprudência e/ou negligência da equipe médica e da gestão administrativa, quer nas ações, quer pela omissão.
“No caso dos autos, foram comprovados os fatos, o dano e a relação de causalidade entre eles, conforme se verifica, dentre outros, da narrativa fática, devidamente contestada pelas partes requeridas, e do laudo pericial, elaborado por perito médico profissional, a partir de exame indireto”, destacou o magistrado.
Ele afirmou que o dano moral decorre dos “sentimentos dolorosos” pelos quais passaram os autores. Assim, Pereira não verificou exagero na indenização de R$ 50 mil aos pais do bebê, sobretudo porque a jurisprudência do TJ-SP para casos com circunstâncias análogas aponta para valores maiores, de até R$ 100 mil. A decisão foi unânime.
Disponível em: ConJur
Acesso em: 04 de Agosto de 2022.
1 ago, 2022
Um motorista de caminhão de combustíveis que divulgou, em suas redes sociais, vídeos com informações sigilosas da empresa para a qual trabalhava, teve demissão por justa causa mantida pela 3ª turma do TRT da 10ª região. Além das informações confidenciais, o trabalhador ainda se mostrou nos vídeos manuseando o aparelho celular enquanto dirigia, delito grave de trânsito que colocou em risco sua vida e a de terceiros.
O autor narra que foi contratado em 2017, na função de motorista, e dispensado por justa causa em 2019. Alega que não divulgou segredos da empresa, mas apenas fez um pedido de socorro porque, segundo ele, vinha sofrendo com o descaso do empregador por conta de péssimas condições de trabalho, o que colocava sua vida em risco.
Já a empresa afirma que o motorista divulgou, em um canal do YouTube, vídeos que expuseram dados e informações protegidas por termo de confidencialidade por ele assinado, incluindo informações sigilosas sobre um sistema. Além disso, teria exposto a prática de graves delitos de trânsito, entre eles o de dirigir manuseando o aparelho de telefone celular, o que teria colocado em risco a sua vida e a de terceiros.
O magistrado de 1º grau manteve a dispensa por justa causa, com base na divulgação de informações sigilosas e por dirigir manuseando o celular. No recurso ao TRT-10, o trabalhador pediu a reforma da sentença no tocante à dispensa justificada, afirmando que o juiz não levou em conta o pedido de socorro feito no vídeo.
Relatora do caso, a desembargadora Cilene Ferreira Amaro Santos lembrou que a relação empregatícia é pautada pela confiança existente entre empregado e empregador. Qualquer ato, doloso ou culposo, que quebre essa fidúcia, torna impossível a continuidade do vínculo de emprego.
No caso em análise, a magistrada salientou que os vídeos mostram que o motorista revelou detalhes confidenciais de rotina do sistema usado pela empresa, de segurança e de rastreamento de veículos, expondo os dados da empresa em rede social de ampla divulgação, sendo certo que o autor assinou o termo de confidencialidade, que veda a divulgação de informações relativas a processos, equipamentos, componentes, entre outros dados da empresa.
Além disso, trechos dos vídeos mostram a rotina do motorista, com cenas em que ele aparece com o uniforme da empresa e dirigindo o caminhão de combustíveis enquanto manuseava o aparelho celular, expondo a empresa nas redes sociais.
Documentos juntados aos autos, revela a desembargadora, demonstram a aplicação de penalidades de advertência e suspensão do trabalhador, bem antes da rescisão contratual.
“Assim, a aplicação da rescisão contratual por justa causa observou a gradação de penalidade e ainda se deu tão logo a reclamada tomou conhecimento de que o reclamante tinha feito outros vídeos em seu canal expondo procedimentos confidenciais da reclamada e cometendo infração de trânsito.”
E se assim não fosse, frisou a relatora, a conduta do motorista de divulgar vídeos cometendo infração de trânsito com veículo da empresa e divulgando informações confidenciais “é grave o suficiente para ensejar a resolução do pacto laboral”.
Portanto, após comprovadas as faltas graves praticadas pelo empregado e presentes todos os requisitos para aplicação da penalidade de demissão por justa causa, foi correto o procedimento da empresa, concluiu a desembargadora ao votar pelo desprovimento do recurso do trabalhador.
Disponível: Migalhas
Acesso: 01 de Agosto de 2022.